terça-feira, 29 de setembro de 2015

Opinião: "Por que a saída de Randolfe foi comemorada no PSOL?"

*Gabriel Augusto

No último final de semana, Randolfe Rodrigues anunciou sua saída do Partido Socialismo e Liberdade. O Senador, que embarcou na Rede Sustentabilidade de Marina Silva, dirigiu-se em tom amistoso ao partido em sua despedida, anunciando que deixara de ser filiado para ser amigo do PSOL. Porém, uma parte expressiva da militância do partido, quando do anúncio da saída de Randolfe, comemorou o fato. 

Entendendo que valorosos companheiros e companheiras entraram recentemente no PSOL, acredito que seja importante esclarecer os motivos que levaram a militância do PSOL a não lamentar esta saída, assim como a saída do prefeito Clécio Luis, de Macapá. A incompatibilidade entre o projeto liderado por Randolfe no Amapá e o PSOL que reivindicamos vem de longe, tendo sido inúmeras vezes objeto de crítica internamente.

Em 2010, Randolfe Rodrigues elegeu-se Senador da República. Neste ano, Randolfe articulou-se na campanha com o candidato do PTB, Lucas Barreto, o qual apoiou como candidato a governador no pleito estadual. Esta aliança foi objeto de advertência do diretório nacional contra Randolfe, tendo o senador eleito sido criticado por seu próprio agrupamento político nacional. Em tese parcial apresentada ao nosso V Congresso Nacional, este ano, Randolfe defendeu esta aliança realizada em 2010.

Já em 2012, o agrupamento composto pelo senador no Amapá, numa ampla aliança que envolvia partidos como PV, PMN, PRTB e PPS, consegue eleger Clécio Luis prefeito de Macapá. No segundo turno desta eleição, o PSOL recebeu apoio de Davi Alcolumbre, do DEM. No ato em que o candidato a prefeito do DEM no primeiro turno declarou seu apoio ao PSOL, Randolfe enfatizou que ali se tratava de “uma aliança, também, para governar juntos”. 

Estes casos foram denunciados por militantes do PSOL de diversos estados, pois tratavam-se de uma total falta de afinidade com o projeto de um partido de esquerda, socialista e que não se mistura com o fisiologismo dos partidos da ordem. O DEM não foi e não é um partido com o qual os militantes do PSOL querem governar. A vitória eleitoral do PSOL em Macapá naquele ano silenciou qualquer crítica da direção majoritária do partido, que diferentemente de 2010, endossou a política implementada no Amapá, onde o PSOL só teve candidato a prefeito na capital, abrindo mão de candidaturas em outras cidades para apoiar aliados do senador Randolfe, vinculados ao mesmo Lucas Barreto que o senador que foi do PSOL apoiou em 2010.

A projeção que Randolfe alcançou através de seu mandato e as filiações em massa realizadas do Amapá fizeram nosso ex-senador querer alçar voos maiores. Apoiado pelo ajuntamento interno Unidade Socialista, Randolfe pleiteou ser candidato à Presidência da República pelo PSOL. Em um congresso marcado por fraudes em plenárias, inclusive no Amapá, a Unidade Socialista alcançou a maioria para definir, já no IV Congresso, que Randolfe seria o candidato a presidente do PSOL em 2014. 

Parte expressiva da militância real do PSOL, informada do histórico do PSOL Amapá de 2010 e 2012, não sentiu-se representada por aquela candidatura. Um senador que aliou-se ao PTB num ano, anunciou que governaria junto com o DEM e patrocinou um processo congressual sob suspeita  não se identificava com as bandeiras e princípios defendidos por muitos de nossos companheiros e companheiras. Como pré-candidato imposto ao partido, Randolfe chegou em uma entrevista a dizer que o PSOL não tinha posição sobre a legalização da maconha, deslegitimando uma pauta que não só vinha sendo defendida pelo PSOL como tinha já ali um setorial nacional que a discutia. Randolfe, que já não era um candidato com os princípios que a militância psolista defendia, passou a ser o candidato de um programa que não era o que o PSOL de conjunto havia acumulado.

Nem mesmo a adesão de setores do Bloco de Esquerda à construção da candidatura de Randolfe, visando reestabelecer uma unidade mínima no PSOL, era capaz de fazê-lo um candidato com o qual os militantes do PSOL se identificassem e mais, defendessem a candidatura. Este cenário de divisão interna levou Luciana Genro a se colocar à disposição para ser vice na chapa do PSOL, num movimento que não foi consenso no bloco. Mesmo nessas condições, Randolfe levou sua pré-candidatura até a semana anterior a convenção que o confirmaria.

As vésperas da convenção do PSOL, o senador anunciou que retirava sua candidatura, alegando que dedicaria suas energias ao processo eleitoral do Amapá. Em seu estado, aliás, Randolfe patrocinou mais uma coligação, desta feita com o governador do estado, Camilo Capiberibe, no único estado em que o PSOL é organizado e não teve candidatura própria. A desistência de Randolfe teve como consequência a aprovação por unanimidade da candidatura de Luciana Genro.

Sabemos que esta desculpa para retirar sua candidatura não conta toda a história. A história também conta que a militância do PSOL não aceitou silenciosa sua candidatura, a insatisfação era imensa, e esta militância teve importante papel para derrotar aquela candidatura que, menos de um ano depois das eleições, revela agora sua falta de compromisso com a construção do PSOL. A derrota da candidatura de Randolfe foi uma vitória para o PSOL, porque ele desrespeitava o programa, os princípios e esta militância partidária.

Após este rosário de constrangimentos, não poderíamos receber com estranhamento, nem com tristeza, a notícia que Randolfe e Clécio se retiram do partido. Saíram do PSOL para cumprir seu triste papel na história: governar em conciliação com os interesses dos poderosos, judicializando e atacando o direito de greve da classe trabalhadora e mantendo alianças estratégicas com políticos e partidos da ordem. Que eles queiram fazer isso é um problema deles, deverão ter nossa oposição. Que qualquer um queira impor isto ao PSOL é um problema nosso.

Mais que uma comemoração, o que devemos fazer com este e outros casos é uma profunda reflexão. O crescimento que o PSOL tem obtido começa a atrair os olhares de uma militância social respeitável e com disposição de construir uma alternativa pela esquerda ao governo petista e a direita dem/psdbista. Devemos saudar a chegada de militantes e figuras públicas que tenham disposição para esta construção.

Ao mesmo tempo, diante de nossas vitórias políticas e eleitorais, as atenções de setores oportunistas se voltam para o partido. Debater com profundidade a entrada de parlamentares e agrupamentos políticos com a militância é a melhor medida para neutralizar essas pressões oportunistas. Será preciso, para isto, eleger uma nova direção majoritária para o partido, comprometida com a manutenção de nossa coerência. Fazer esta reflexão será uma das tarefas fundamentais do nosso V Congresso. Não fazê-la é arriscar que a comemoração de hoje seja frustrada por novos Clécios e Randolfes no futuro.